Caro leitor, como explicitado na última publicação, nossa coletânea sobre Decretação do Estado de Emergência Climática está dividida em três sessões. Nesta primeira sessão estamos tratando dos instrumentos normativos que temos disponíveis no Brasil atualmente e destacando suas limitações. No texto anterior, nós partimos do conceito de decretação de emergência climática e discutimos porque a atual legislação ambiental, ainda que seja expressiva, é insuficiente para lidar com a crise climática. Sendo assim, no texto a seguir, vamos tratar dos projetos de lei e demais instrumentos que estão em tramitação atualmente no Brasil que tratam explicitamente da decretação de emergência climática. Boa leitura!
Projeto de Lei nº 3961/20201 - Ex-deputado federal Alessandro Molon (PSB - RJ)
A proposta visa ações para mitigar os impactos das atividades humanas no clima que sejam implementadas de forma eficaz. Nesse sentido, o projeto visa proibir o remanejamento de recursos orçamentários destinados à proteção ambiental e combater o desmatamento.
A proposta estabelece que, até 2050, o país deve concluir a transição para uma economia socioambiental sustentável e neutra em emissões de gases de efeito estufa. Para alcançar essa meta, o governo federal seria obrigado a elaborar, em até um ano após a promulgação da lei, um Plano Nacional de Resposta à Emergência Climática, com revisões a cada cinco anos e participação de estados, municípios, Distrito Federal e sociedade civil.
O objetivo do projeto de lei seria reconhecer publicamente a gravidade e urgência da situação climática e estabelecer diretrizes claras para todos os atores governamentais. O deputado ressalta a necessidade de um novo pacto socioeconômico verde que combine crescimento econômico, distribuição de riquezas e uma relação saudável com a natureza.
Projeto de Lei 759/20212 - Dep Estadual Marina Helou (REDE /SP)
Não define o conceito de decretação de emergência climática, mas define que o seu enfrentamento é dever do poder público e da iniciativa privada, com foco na redução das emissões de GEE's e na mitigação de seus efeitos.
Aponta a Política Nacional de Mudanças Climáticas, bem como a Estadual (SP) como referência para a atuação dos setores indicados e obriga políticas, programas e orçamentos estaduais considerarem ações de enfrentamento à emergência climática.
Defende priorizar a proteção das populações mais vulneráveis ao impacto das mudanças climáticas (não define quem são elas) e a participação de atores da sociedade civil;
Seu aspecto mais relevante é a vedação do contingenciamento de quaisquer fundos ou recursos destinados à proteção ambiental, à gestão de recursos hídricos, ao combate ao desmatamento, à prevenção e ao combate a incêndios florestais, e à mitigação e adaptação à mudança climática. Nesse sentido, trata como prioritárias e estratégicas a política ambiental e a política climática, o que é fundamental em tempos de Arcabouço Fiscal e aprofundamento de políticas neoliberais.
Projeto de Lei 3.614/20243 - Senador Jorge Kajuru (PSB - GO)
Traz definição ao conceito de emergência climática: situação em que é necessária a adoção urgente de ações com o objetivo de reduzir ou interromper os efeitos adversos e impactos da mudança do clima, evitar danos socioambientais e climáticos potencialmente irreversíveis e promover ações de mitigação e adaptação, diante dos riscos de vulnerabilidade extrema.
Pauta como estratégias de enfrentamento a mitigação, adaptação, a adoção de novas tecnologias, especialmente as alternativas aos combustíveis fósseis, e de infraestrutura resiliente, que se insere no eixo de adaptação e prevenção.
Além disso, inscreve o desenvolvimento sustentável como orientação para o crescimento econômico e para uma economia de baixo consumo de carbono.
Também menciona o Plano Nacional de Mudança do Clima e propõe integração ao Plano de Ação para a Prevenção e o Controle do Desmatamento nos Biomas, bem como ao Plano Nacional de Emergência Climática. Nesse sentido, é bastante importante a integração de uma política climática à uma política de preservação da biodiversidade. Caso contrário, pouco se avançará no enfrentamento à emergência climática, tendo em vista que a proteção e restauração da biodiversidade é fundamental para a captura de CO2 da atmosfera.
Requerimento nº 1727/20244- Deputada Federal Célia Xacriabá (PSOL)
Enfatiza a necessidade de repensar as prioridades orçamentárias do país, especialmente em prol da reconstrução pós governo Bolsonaro e da realização da COP30 no Pará, que confere ao Brasil posição de destaque nas negociações dos acordos climáticos globais.
Menciona a proposta da presidenta mexicana de destinar 1% do orçamento militar ao plantio de árvores e expande tal medida à defesa dos territórios indígenas e ao incentivo à agroecologia, preservando modos de vida tradicionais e desenvolvendo uma economia regenerativa.
Estes são apenas alguns dos projetos de leis que tramitam atualmente a respeito da emergência climática. Apesar de levantarem uma questão fundamental, as propostas ainda são tímidas e em uma escala pouco eficaz ao combate necessário às emissões de gases do efeito estufa, pois nenhuma delas toca no ponto central que é nosso modelo de produção e trabalho, tampouco trazem medidas factuais para o fator de maior impacto no Brasil, a saber, a mudança de uso da terra, com destaque para o desmatamento, o agronegócio e a pecuária. Assim, repetem não apenas os Planos e Políticas já existentes, como também os instrumentos da legislação ambiental: mitigação, adaptação. Curiosamente, nenhum desses PL's mencionou a política de conservação ambiental, a mais relevante para a proteção da biodiversidade, e tampouco se nota menção aos direitos da natureza, à reforma agrária e aos povos originários e tradicionais, à exceção do requerimento feito pela Deputada Célia Xacriabá. Mas a esse respeito, vamos nos ater em um próximo texto.
O Brasil faz parte, ainda, de um tratado internacional de proteção ambiental e direitos humanos conhecido como Acordo de Escazú. O acordo, que abrange a América Latina e Caribe, foi adotado em março de 2018 na cidade de Escazú, na Costa Rica, mas somente entrou em vigor em abril de 2021. O objetivo do tratado é garantir o acesso à informação ambiental, assegurando que governos disponibilizem informações claras sobre seus acordos de proteção ambiental; promover a participação pública na tomada de decisões que possam afetar suas comunidades; facilitar o acesso à justiça em temas ambientais, permitindo que cidadãos tenham meios de buscar seus direitos ambientais violados; proteger defensores ambientais que são duramente perseguidos e assassinados, principalmente na América Latina.
Apesar de o Brasil assinar o acordo, o mesmo não foi ratificado e ainda aguarda aprovação no congresso nacional. Fortalecer um acordo entre a América Latina, como esse, impulsionaria o Brasil a reavaliar seus modos de produção agro-extrativistas. O modelo socioeconômico baseado nas commodities, difundindo grandes desertos verdes, sejam eles campos de soja, culturas de cana e milho, ou a expansão da pecuária, são os principais responsáveis pelo nosso aumento de emissões de CO2, já que a mudança de uso da terra corresponde a 92% das emissões brutas no país5. O colonialismo moderno, com a superexploração dos recursos naturais do sul global, promove a riqueza do norte global, tendo em vista que em 2023 o 1% mais rico extraiu 30 milhões de dólares por hora do sul global6. Contudo, conciliar acordos de proteção ambiental é uma tarefa árdua e cercada de conflitos, já que, necessariamente, colide com o modo capitalista de produção e trabalho, assentados na estrutura oligárquica de poder do agronegócio e da indústria extrativista no país que, por sua vez, reflete a posição do Brasil na divisão internacional do trabalho, enquanto um mercado agro exportador de commodities.
Nesse sentido, é preciso estar atento a ‘soluções’ na ótica do capitalismo verde, que não altera as estruturas do comércio internacional, mas mantém o sul global enquanto uma espécie de fazenda do mundo, exportando minérios de transição, energia renovável e comercializando emissões de carbono, às custas de sua degradação ambiental, impacto aos modos de vida tradicionais e empobrecimento da população, devido à escassez hídrica, perda de terras cultiváveis e do encarecimento do custo de vida.
Portanto, propostas como as apresentadas anteriormente, que concentram nas mãos do Estado e do Capital Privado a tomada de ações de mitigação e adaptação tendem ao fracasso quanto a seus objetivos e podem aprofundar cenários de exclusão e de autoritarismo, de modo que precisamos de alternativas não apenas em termos de instrumentos jurídico-administrativos, mas em torno da organização social da produção, do trabalho e da vida. Tendo em vista que o horizonte para as futuras gerações vem colapsando sob o Capitalismo, devemos aprender com os erros do Socialismo do passado e com a sabedoria dos povos originários para forjarmos um Horizonte Ancestral a partir da Emergência Climática.
Encontra-se aguardando parecer do relator na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). A Deputada Socorro Neri foi designada relatora em 30 de agosto de 2023.
Propõe decretar o estado de emergência climática no Estado de São Paulo, em razão dos efeitos das mudanças climáticas e das alterações geradas por atividades humanas nos ciclos naturais, especialmente na composição e na dinâmica da atmosfera. Em tramitação ordinária.
Propõe alterações à Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima, visando estabelecer medidas voltadas ao enfrentamento da emergência climática. Atualmente, esse projeto está em tramitação no Senado Federal e ainda não se tornou uma lei federal.
O Requerimento nº 1727/2024, apresentado pela Deputada Federal Célia Xacriabá (PSOL), solicita a realização de uma Audiência Pública para discutir o Acordo de Escazú e a importância de sua ratificação pelo Brasil. A audiência proposta tem como objetivo reunir especialistas, representantes do governo, organizações não governamentais e outros stakeholders para discutir os impactos e a relevância do Acordo de Escazú no contexto brasileiro.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-03/brasil-registra-alta-na-emissao-de-gases-de-efeito-estufa
https://www.oxfam.org.br/forum-economico-de-davos/as-custas-de-quem/